quarta-feira, 29 de junho de 2011

Felixcidade I ("série Felixcidades")

I. Asfixia da felicidade pela atualização da alma em novas versões
Hoje o conturbado bombardeio de anseios, é um mundo com uma mutabilidade de realidades cada vez mais acelerada; que nos obriga ou sugere um constante estudo de cenários, sejam tecnológicos, sociais, econômicos, culturais. Nesta velocidade famigerada de mudanças, pela qual somos acometidos; o tempo frustra a si mesmo pela insuficiência em atender a nossa latência filosófica. Vivemos a conciliar a instabilidade conceitual da infra-estrutura metafísica com as construções das realidades físicas, cada vez mais discrepantes em relação ao momento imediatamente anterior a cada ponto da escala evolutiva.
Pisamos em falso tentamos nos equilibrar no solo de nossas convicções movediças, desesperadamente criamos uma teia de implicâncias que eventualmente possam nos nortear na caminhada da sobrevivência, buscamos ajuda uns com os outros ou nos livros e gurus na religião; porém como precisamos de referências e estas se esvaem pela concatenação necessária com as famigeradas mudanças, os sulcos da escalada de sobrevivência tendem a fenecer. E a assimilação destas dissidências provoca cada vez mais a redução de nossos momentos de calmaria e paz de espírito.

II. O senso materialista de prioridade avacalha a abstração da felicidade

A felicidade sobrevive numa ambiência rarefeita e é constantemente asfixiada pelas prioridades, pela proposta de ser contemporâneo, pela proposta de não ser “alienígena”, ser mais humanizado e aceito no meio; não obstante esta proposta acabe por ferir a nossa capacidade de “ser humano”.

A instabilidade permeia nossa realidade construindo um presépio de ilusões. Temos a opção ativa de estabelecer controle sobre as coisas que nos são imediatas. Esta soberania do controle pode ser assentada através da instituição de padrões dos fatos, das coisas, através da cientifização de nossas ações provocada pela observação, pelo experimento e o registro dos fenômenos que compõem nossas realidades individuais e coletivas.

III.A felicidade pelo controle

Segundo Eduardo Giannetti, no livro “Felicidade” o período iluminista foi o momento em que se aflorou o otimismo pela obtenção duma ambiência feliz, através da abolição da ignorância. Pretendeu-se através da disseminação do conhecimento no século XVIII, no “o século das luzes” (Encyclopédie) (...) que se fez através de nomes como Diderot, Rousseau, D’Alembert e outros que se reuniram na casa de campo em d’Holbach (...) a obtenção da humanização, por conseguinte a afirmação de certezas pela previsibilidade adquirida pelo conhecimento. Inicia-se a propagação de conhecimento que outrora fora propriedade exclusiva dos ditos iluminados. Percebe-se que a existência do mistério perpassa pela conceituação implícita de falta do controle e aos que detêm o conhecimento, a possessão das rédeas do destino dos ignorantes.

O iluminismo caracterizou-se pela escalada evolutiva desta libertação coletiva, pelo incremento de forças inquiridoras do conhecimento que se pactuaram numa relação simbiótica, com a pretensão de legar à posteridade a continuidade desta libertação, das amarras da prisão asfixiante do incógnito.

A equação fundamental do iluminismo europeu pressupunha a existência de uma espécie de harmonia preestabelecida entre o progresso da civilização e o aumento da felicidade. A resultante do processo, ou seja, a construção gradativa de um mundo como nunca se vira na história desde a expulsão do primeiro casal do paraíso era o efeito da combinação de vetores de mudança que não só corriam juntos, mas que se alimentavam e se reforçavam mutuamente. Eram eles: •o avanço do saber científico; •o domínio crescente da natureza pela tecnologia; •o aumento exponencial da produtividade e da riqueza material; •a emancipação das mentes após séculos de opressão religiosa, superstição e servilismo; •a transformação das instituições políticas em bases racionais, e •o aprimoramento intelectual e moral dos homens por meio da ação conjunta da educação e das leis.[1]

O controle é ambicionado ora na intenção da supremacia sobre o outro ou sobre a situação. A tranqüilidade da certeza de resultados, desde que cumprido os respectivos protocolos, dá aos homens a sensação de estabilidade, logo calmaria. A forma de poder controlar, como exemplo a fonte de alimentação plantando nas nossas aldeias, próximo ao nosso habitat pela garantia de condicionar as estações de produção dos alimentos, começou pela descoberta da semente. A sobrevivência sujeita à caça e a pesca, deu lugar a uma forma inteligente de gerir os estoques, a logística desligando um pouco a solicitação de estar à mercê da existência de frutos, da caça existente aleatória à vontade do homem, etc.

IV.
A abstração da felicidade afirmada pela libertação do conhecimento

Gostaria de abrir um parêntese reflexivo sobre a tese da libertação através do conhecimento. Nos textos bíblicos ocorre a afirmação feliz de que “a verdade vos libertará”, - Dizia, pois, Jesus aos judeus que nele creram: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sois meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Jo 8:31,32” - conquanto a referência se paute numa libertação das mazelas espirituais com uma alusão explícita; contextualiza-se de forma implícita e substancial à condição da humanização, sob a conotação da ação de dessacralização da religiosidade doentia que a tudo atribui como mistério, com o estratagema de intenção da manutenção do domínio.

A ignorância é o combustível para a existência do controle dos homens simples de forma covarde pelos dominadores, sem dar oportunidade aos dominados suprimindo propositalmente a equiparação das condições pelas vias do conhecimento.

Contudo ocorre um paradoxo visceral representado pela supressão circunstancial do conhecimento no tocante à sublimidade do oculto divino, referendando a condição de ciência restrita a Deus.

Primeiro vamos ponderar sobre as conseqüências disto no homem.

O primeiro ponto é que a proposta de Deus para que o homem e sua mulher não comessem da árvore que estava “no meio do jardim” tinha a intenção de evitar a divinização do homem. O fato da árvore “estar no meio do jardim” evoca a compreensão da interposição mediana de obstáculos pela opção das alternativas de poder obedecer ou não a Deus; apesar da recomendação de não tocar no fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal.

A Bíblia enfatiza o propósito de Deus de que houvesse uma relação de amizade com o homem, mas que este como uma criatura adotada como filho e amigo, mas que se abstivesse das pretensões de se enveredar na senda agonizante do calor do saber cósmico; ou seja, tentar ser deus sem ter a estrutura dimensional para sê-lo e preferir a “sábia decisão” de ser um ignorante cósmico. Outrossim, mostra a ocorrência da impossibilidade de que o homem sendo criatura pudesse transcender ao Criador. Nisto não ocorre a covarde pretensão de Deus pelo domínio asfixiante, pois a incoerência se dá pela impossibilidade humana de volição para tal.

O segundo ponto trata-se de que a disposição ideal, essencial para que o homem seja feliz é que este seja necessariamente humano. O desvio desta humanidade subserviente à supremacia divina é um lapso do que ocorreu com lúcifer, que numa auto-avaliação julgou-se ter apropriado duma suposta similaridade de poder em relação a Deus e isto minou a sua fidelidade. Com este evento podemos ter uma definição elementar de pecado como sendo a fuga da condição de humanidade, na pretensa tentativa de ser divino. Com base nisto, os movimentos religiosos que insinuem esta divinização, seja por coreografias, êxtases e alegação egoísta pelos líderes religiosos de serem detentores de status de íntimos de Deus, pode ser um indício de que esteja ocorrendo uma perda da humanidade santificadora. Deus quer conveniar seus propósitos com o homem e não com um semi-deus, já que basta a soberania que lhe própria e intransferível; não pela ditadura da imposição de singularidade, mas pela real-idade da razão de ser a realidade coerente. Pelo simples fato de não assimilarmos a complexidade da relação tempo-espaço e a eternidade ser para nós algo impossível de tatear com nosso intelecto, nos delega a confortável paz pela ignorância do divino. Divino no sentido dos meandros dos mistérios ocultos a nós, pobres mortais; nunca ignorar DEUS.

A divinização do mistério tenta inibir, mascarar, confundir à interpretação do conhecimento palpável pela capacidade de cerco, do domínio pela descoberta delegada por Deus ao homem; e essa tem sido utilizada em muitos casos como o abafamento dos suspiros de inteligência humana, principalmente pelos religiosos. Há, porém a indispensável e recomendável ignorância humana da dimensão exclusiva de Deus que endossa uma sublimação do humano, pois o coloca no plano da genuína vocação de ser sadiamente humano.

“Porque Deus sabe que no dia em que comerdes desse fruto, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal”. “Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; pelo que coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais”. “Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem se tem tornado como um de nós, conhecendo o bem e o mal. Ora, não suceda que estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva eternamente”. Gênesis 5-7 e 22

Linha tênue entre o bem e o mal - trecho escrito em 16/12/2009

O caos como elemento de mudanças

As repercussões desta análise se apresentam indigestas do ponto de vista da maioria das opiniões vigentes. Traz a reboque uma insinuação de heresia, do polêmico, pois se destaca com assuntos, temas, novos conceitos que são dissonantes aos vigentes. Ora esta vigência não necessariamente estabelece a coerência, o prognóstico do correto, ideal, etc. Logo iremos discorrer a justificativa da liberdade de pensamento, para os movimentos conceituais e a autenticação da verdade.

Percebemos que as evoluções são precedidas pela inquietude, pelo burburinho, do caos pelo anárquico, pois descompõem a estabilidade instaurando uma revisão de conceitos.

Senão podemos identificar uma “Geografia da Civilização e Progresso” que corroboraram à formação de culturas, do surgimento de impérios atribuindo esta propriedade tomando como base aos mares e rios; mesmo que possamos ter uma gama bem maior de outros similares com ilustrações a contento. Esta geografia relaciona o desenvolvimento possível, a aglutinação voluntária dos povos para estar às margens de oceanos, rios, lagos, cachoeiras para garantirem a sobrevivência. Logo podemos aludir a estes corpos d’água a conotação do “movediço”, instável, sujeito a mudança repentina de humores, mas que produz os ventos, faz o balanço térmico do clima regional, tem viventes dentro de si além de proporcionar a vida à vegetação e viventes da terra firme e tem uma latência movida pela gravitação “do que está acima dele”; ou seja da lua e astros que estão fora da esfera da terra. Esta alegoria tem imanência com os conceitos teológicos atribuídos a interpretação da vida cristã. Um cristão que não se intimida em ter um relacionamento “aberto” com Deus, buscando orientação “de cima”, questionando-o, fazendo provas, tentando descobrir mais sobre Ele. Este cristão sabe que não se esquivará da resistência da “terra firme” (da oposição), mas tem certeza que mudará o relevo, os limites, alterará o clima, produzirá chuvas que poderão aumentar a porosidade do solo para “absorver” água e aumentar a fertilidade do seu chão para crescimento de novas convicções e certezas.

O mar e os rios têm características contrastantes com a terra firme, com o piso imóvel onde a civilização monta suas casas; no entanto é procurado por produzir vida pela sua dinâmica constante e imprevisível, que constroem milhares de formatos num lapso de tempo na contagem na ordem de milionésimos de segundo.

Tamanha é esta instabilidade que confunde nosso senso de organização, mas extasia-nos pois é belo e nos atrai. Faz alusão ao mistério.

No entanto esta relação simbiótica entre os paradoxos de terra e água não se expandem nas instâncias da composição essencial; nas simetrias atômicas, nas inferências de interação necessária como conseqüente da existência de “um” somente possível pela existência do “outro”. Afirmo que esta relação simbiótica, apesar de constituir um encadeamento profícuo, não dá margem à dedução da existência necessária dos paradoxos, o equilíbrio entre o bem e o mal com a presunção da anulação do pecado; pois “estes não se expandem nas instâncias da composição essencial dos paradoxos”. O bem sobreporá sempre ao mal.

contraponto da pseudo-verdade sob custódia da ignorancia induzida e a verdade imutável sugestionada diariamente por deus

Esta pseudo-verdade é a suposta afirmação de “verdade estável”, porém nada mais é do que uma ignorância autenticada pela conspiração cartorial, composta por líderes mundiais, eclesiásticos e de demais instancias na pretensão de manter interesses escusos que lhes proporcionam vantagens do domínio sobre a massa ignorante. É a Civilização vigente é equivocada, pois se historifica somente na cronologia do imediato, não transcende à contemporaneidade e logo sempre é substituída por outra mais coerente com os interesses predominantes da massa dominadora. Esta realidade indica a substancial necessidade da busca constante de todos os seres humanos pela Verdade; relevando que o endereço de verdade é único, insubstituível, inexorável que é o próprio Deus: Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.” Jô 14:6.

A Civilização da verdade vigente sucumbe às razões calcadas no Plano de Deus; pois esta tem conotação sumária de perpetuações de ecos fenomenológicos, sejam religiosos, sócio-políticos, econômicos, com efeitos “delay’s” num tatear sem rumo eivado de incongruências conceituais e ideológicas, enquanto o Plano de Deus se desdobra sobre o todo, sobre o cosmo, sobre todas as coisas e tem amplitude inconcebível pelo homem.

As nossas verdades se pautam na necessidade de contingências para aplacar o imprevisível; é a disposição de guardar o maná para o dia seguinte, na desconfiança de que Deus não mande mais maná; é não dispor dos fardos pecaminosos da santificação deisificando-se, tornando-se um semi-deus ao invés de ser genuinamente humano pela santificação em Cristo, mesmo que solicitado por Jesus.(...) Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo e leve. Mt 11:30

[1] Giannetti, Eduardo, 1957

Felicidade : diálogos sobre o bem-estar na civilização / Eduardo Giannetti.

— São Paulo : Companhia das Letras, 2002. págs. 22 e 23

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