quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Antinomia entre o Regime Disciplinar Diferenciado da Lei 10792/2003 e a Constituição Federal Brasileira

Viés Teórico sob a antinomia constitucional e ferimento aos preceitos da dignidade humana, à alteridade e da individualização da pena

Segundo o professor e mestre em direito pela Universidade Federal do Paraná, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Dr. Maurício Stegemann Dieter na sua tese sobre “O Crime Organizado como figura de linguagem e suas funções no Discurso do Poder”, a denominação crime organizado é uma perífrase que nomeia pelo maior relevo de percepção e impacto, com caracterizações diversas como tráfico de órgãos, tráfico de drogas, trafico de armas, estabelecendo um discurso etiológico distinguindo os normais e desviantes, condutas adequadas e inadequadas e dá margem ao Estado, na segregação de classes estabelecendo para si uma licença lícita para impor tratamento punitivo e arbitrário para repressão dos indesejáveis no contexto puramente capitalista e excludente, e na tentativa implícita de obstar a mobilidade social que não se enquadre numa normalidade prescrita pela simples conveniência do Estado e das elites que o controlam.

Tem-se neste projeto de controle burguês e capitalista a tentativa da manutenção biunívoca ou cartesiana da existência do dominador e do dominado, tentando criar a desesperança da possibilidade da igualdade de todos nos planos de equivalências intelectuais, econômicas, de justiça, etc. Apesar de o argumento transparecer um suspiro Marxista, aproveita-se da real luta de classes, porém tem um horizonte dialético mais amplo que faz despertar as ambigüidades da lei penal que parece ser versada pela primazia da diferenciação excludente, sob a égide capitalista.

O cenário deste discurso remonta à origem da nomenclatura de crime organizado, à proibição do comércio de bebidas nos Estados Unidos em 1920, que potencializou o comércio ilegal de bebidas que por as vez foi sustentada pela defesa arregimentada por grupos armados que se contrapunham ao Estado. Percebam que tem um viés econômico, destes citamos Al Capone um ítalo-americano.

No preâmbulo da Convenção Americana sob Direitos Humanos denominada como Pacto de São José de Costa Rica formulada em 22 de novembro de 1969, porém ratificada pelo Brasil 25 de setembro de 1992, excetuando os Artigos 42 e 48 alínea “d” prescreve o Art. 5, CF: “... só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais, culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos...”

Roberto Delmanto em artigo publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, proclamou que o RDD fere a Constituição da República, que dispõe, em cláusulas pétreas que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5o, III) e que não haverá penas ... cruéis (art. 5o, XLVII, e); o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York (arts. 7o e 10); e a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (art. 5o, 2); os dois últimos, com disposições semelhantes, ratificadas pelo Brasil.

Devemos nos situar através de uma reflexão sob o contexto social e histórico do país em que se formulou a Lei 10792/03, que face aos impasses dos iminentes ataques do PCC em São Paulo, ocasionou uma resposta que recondicionasse a condição de normalidade, sob a égide da neutralização da inteligência criminal, operada por criminosos de alta periculosidade que comandaram abusos. E a demanda necessária de medida de contenção dos abusos criminosos e a manutenção da Paz pública, se formou sob a perspectiva de tratamento diferenciado do regime de privação da liberdade. Ainda o Sistema penal Brasileiro tem a prerrogativa essencialmente acusatória e não prima pela ambientação no arcabouço jurídico com vistas à observância dos direitos constitucionais e à dignidade humana.

Em dose menor o CPP no art. 21 fere o princípio constitucional no art 5º, CF nos seguintes incisos:

LXII, - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Pior será no RDD onde o preso fica incomunicável por 2 horas por semana extrapolando os 3 dias do CPP. Antinomia vigente com relação ao CPP e à CF.

Fere o Art. 38, CP e o Art. 53, CF . Ainda para o apenamento de acordo a Teoria do Crime deve-se antes verificar a conduta, a ilicitude, nexo causal, tipicidade, culpabilidade e; logo a presunção da culpabilidade sentenciando antecipando a tipicidade constitui um contrasenso antagônico à legislação penal e à constituição.

... a violação das normas de competências ou de processo de formação das leis não é de per se um sacrifício grave e, por isso, não pode fundamentar autonomamente uma pretensão indenizatória. Todavia, se porventura se constatar uma lesão grave e anormal da posição jurídica do cidadão ocasionada por leis inconstitucionais, o fenômeno reparatório obedecerá aos mesmos princípios das leis constitucionais. Deverá reconhecer-se uma tutela ressarcitória quanto aos danos provocados por actos formal ou organicamente inconstitucionais foram de tal modo graves que eles seriam indenizáveis mesmo no caso de serem impostos por actos irrefutavelmente válidos.”

José Joaquim Gomes Canotilho (neoconstitucionalista)



Paleativo como resposta ao calor da urgência por resultado –

“A Convenção de Palermo é o nome pelo qual é mais conhecida a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Foi adotada em Assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU), no mês de novembro do ano de 2000, na cidade de Nova Iorque.”

Ainda podemos fazer alusão ao fato de que o RDD somente é um paliativo que deve ser observado sob o âmbito da resposta equivocada do Estado à necessidade de ataque ao cerne sistêmico da ineficiência do sistema e do modelo penal sedento pela conversão de conduta de criminosos em pessoas de bem.

FERIMENTO DA LEI DO RDD AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – ANTINOMIA penal constitucionalista

Ocorrem visões nubladas da juridicidade com vistas à obtenção da justiça e paz social.

O Art.5º,III, CF enfatiza o respeito à pessoa humana postulando que ninguém será submetido a tortura e tratamento degradante. Ainda no Artigo 5º os direitos assecuratórios de defesa da honra são explícitos no inciso X.

Quanto à reparação por dano moral ainda no Art. 5º, V, CF. No Art. 34, VII, alínea “b” CF, versa sobre os princípios sensíveis sobre o instituto fático da operosidade da igualdade.

Não ocorre distinção entre as pessoas, baseados no teor de ilicitude premente na vida do cidadão e do infrator, senão no encadeamento de variáveis que carream as atitudes ilícitas vitimadas por limitação das oportunidades, com as seguintes diferenciações nomeadas por diferenças econômicas, ambiência de construção de caráter, etc.

Ocorre uma corrida pela tentativa da constitucionalização do Código do Direito Penal e do Código de Processo Penal. A predisposição do sistema penal em reorientar o preso, já presume uma culpabilidade relativa do educando face à disposição empírica do ESTADO em tentar corrigir o desvio comportamental e de caráter do indivíduo apenado. A proposição de uma via de escape já evidencia o mérito de reconhecimento da culpa pela infração acrescida do vínculo de implicâncias como a co-participação do Estado pela ineficácia operacional da harmonia e justiça social e pela ambiência de convívio e educacional como elemento propulsor do direcionamento do corpo de vontades e crenças coadunando a criminalização das ações. No corpo destas incongruências cita-se o sistema capitalista como o mentor ideo-filosófico da busca pelo rigor positivista do Direito Penal em reprimir o crime sob a argüição basilar de que o indivíduo que não adere o dever do cumprimento das normas pela manutenção da ordem torna-se um inimigo do Estado que é o garante da harmonia e da paz social. Logo neste posto o infrator não goza dos mesmos direitos previstos na constituição.

“Entretanto, diante da adoção de uma Constituição Federal garantista, da função reintegratória da pena privativa de liberdade na execução criminal brasileira, da adoção dos sistemas acusatório e da persuasão racional para o processo penal hodierno, bem como pelos riscos de dessocialização pela prisionalização do sentenciado, mostra-se sem qualquer fundamento de existência o aludido fundamento do in dubio pro societate.” (Alexandre Orsi Neto - Defensor Público do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdades Integradas de Itapetininga (SP) editado na Revista Jus Navigandi acessado dia 16/11/2010)

Direito Penal do Inimigo com a demonização do infrator – o infrator como consequencia e não como causa da instabilidade social

O RDD apresenta a insígnia essencial baseada na Teoria do Inimigo, formulada por Günter Jakobs, em que o Estado como ente social com responsabilidade de tutelar os bens jurídicos da sociedade, reconhece uma dualidade conceitual entre cidadão e os delinqüentes, terroristas e criminosos; estes últimos sendo os que não manifestam a presunção de adequar-se às vigências normativas como espinha dorsal do contrato social estabelecido entre os cidadãos e o Estado. Os inimigos citados na tese de Jakobs são criminosos econômicos, terroristas, delinqüentes organizados, autores

de delitos sexuais e outras infrações penais perigosas (Jakobs, ob. cit., p. 39).

Sob a tese de Jakobs está fundada sob três pilares, a saber:

a) antecipação da punição do inimigo;

b) desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de certas garantias processuais;

c) criação de leis severas direcionadas à clientela (terroristas, delinqüentes organizados, traficantes, criminosos econômicos, dentre outros) dessa específica engenharia de controle social.


Estado como co-partícipe das ilicitudes penais - Isto prescreve a necessidade da reestruturação da sociedade, com a diminuição dos desvios socioeconômicos, e uma presença maior do Estado na construção das oportunidades para todos, o que poderia amenizar a antijuricidade penal.


É uma boa briga...

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